Impunidade de agentes públicos esvazia manifestações, diz
ONG Artigo 19
A impunidade dos agentes públicos responsáveis por violações
aos direitos humanos durante protestos no país prejudica e sufoca as
manifestações, a avaliação é da organização não governamental (ONG)
internacional de direitos humanos Artigo 19. A ONG participou hoje (17), na
Matilha Cultural, em São Paulo, de um debate sobre a violação de direitos nas
manifestações.
Segundo a advogada da organização, Camila Marques, a falta
de responsabilização nas violações cometidas por policiais provoca, em um
primeiro momento, o esvaziamento das ruas. “É um efeito intimidatório muito
grande que essa sensação de impunidade - de que os policiais podem fazer tudo e
de que nada vai acontecer com eles - gera”, disse.
Segundo a advogada, o único caso de responsabilização
criminal em protestos ocorreu no Rio de Janeiro, com a condenação do major
Fábio Pinto Gonçalves e do tenente Bruno César Andrade Ferreira por forjarem um
flagrante de porte de morteiros contra um menor de idade. “Tem inúmeros vídeos
na internet que mostram ações policiais abusivas, policiais forjando
flagrantes, policiais prendendo arbitrariamente e raríssimos casos de
responsabilização”, afirmou.
Os agentes do Estado não são punidos, de acordo com Camila,
porque é preciso, primeiramente, que os órgão de fiscalização denunciem esses
casos à Justiça, o que ocorre em poucos situações. “Também lidamos com um Poder
Judiciário que muitas vezes atua no sentido de proteger o policial e
criminalizar os manifestantes”, disse.
Para a defensora pública Daniela Skromov, a impunidade é
resultado do próprio processo penal, que trata os casos de forma individual ou
por conduta individual do agente público. “O processo penal trata dos casos
individuais sempre. Ele não trata da coisa sistêmica”, disse. Ela entende que a
punição deveria abranger as instituições e o próprio Estado. “Há uma baixa
densidade democrática nas instituições e não só da polícia”, acrescentou.
Relatório
Na semana passada, a Artigo 19 divulgou um relatório em que
diz que ao menos 849 pessoas foram detidas em 740 protestos ocorridos nos
estados do Rio de Janeiro e São Paulo entre janeiro de 2014 e junho de 2015. O
documento destacou também uso de armamento letal na contenção de algumas manifestações.
No período investigado, foram confirmados quatro atos em que houve o uso de
munição letal pela polícia: um deles na capital paulista e três na capital
fluminense.
O relatório diz ainda que protestos recentes provocaram a
morte de sete pessoas. Entre elas, o cinegrafista Santiago Andrade, em
fevereiro de 2014 no Rio de Janeiro, e a mais recentemente, em maio deste ano,
em um protesto na Rodovia Transamazônica, que causou a morte dos trabalhadores
rurais Leidilene Machado e Daniel Vila Nova, que foram atropelados após um
carro furar o bloqueio feito pelos manifestantes.
Legislação
De acordo com a ONG, além da impunidade dos agentes, da
criminalização dos manifestantes e dos movimentos sociais e do incremento do
aparato policial com a compra de caminhões que disparam jatos d'água e carros
blindados, por exemplo, as manifestações também foram censuradas ou debeladas
mais recentemente no país com a utilização da legislação. Segundo a Artigo 19,
é o caso, por exemplo, do que ocorreu na greve dos professores de São Paulo
este ano, que durou mais de três meses.
A Justiça paulista proibiu que os professores se
manifestassem nas rodovias de São Paulo e, além disso, acatou o corte de pontos
dos salários dos professores conforme determinou o governo do estado. Decisão
depois revertida no Supremo Tribunal Federal, que mandou ainda restituir o valor
retido aos professores.
“O Estado, em todas as suas esferas, atuou para reprimir
esse direito [de manifestação]. Não era mais só policiais nas ruas, mas o
Judiciário e também o sistema de Justiça como um todo proferindo decisões sobre
um viés ideológico, em vez de se pautar por princípios que guiam o Estado
Democrático de direito”, disse Camila.
Segundo a advogada da Artigo 19, o Ministério Público em
geral, por exemplo, na sua opinião, "abriu inquéritos policiais
irregulares que não buscavam investigar um crime, mas mapear os movimentos
sociais”, e que o Poder Legislativo propôs “projetos de lei extremamente
restritivos no sentido de criminalizar o uso de máscaras e aumentar penas”.
“O Estado utilizou da legislação para conter as
manifestações”, afirmou Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta do Sindicato
dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo(Apeoesp). Segundo ela,
o ponto central dessa ação foi o corte dos salários dos professores grevistas.
“O corte do salário dos professores foi determinante [para o fim da greve]”,
disse.
A presidenta da Apeoesp lembrou que o Supremo Tribunal
Federal está discutindo atualmente uma lei que permite o corte de ponto dos
servidores públicos. Na avaliação da sindicalista, isso dificultaria o direito
dos trabalhadores de fazer greve. Segundo Maria Izabel, os sindicatos também
olham com preocupação para o projeto de Lei Antiterrorismo [Lei 2016/15],
aprovado na Câmara e que está em tramitação no Senado. “Teremos que ter uma
agenda política, além da agenda judicial, de mais ocupação das ruas”, afirmou.
“A repressão não está só no Executivo, está no Judiciário e
no Legislativo também. Há vários projetos de lei que tentam formas de
restringir o direito à manifestação. Vemos com muita preocupação isso”, disse
Raquel Brito, diretora do Sindicato dos Advogados de São Paulo.
“Devemos estar muito atentos a todas essas propostas
legislativas. Foram [propostas] mais de 30 leis e sempre se pensando na
criminalização dos direitos de manifestação”, acrescentou.
Segundo Raquel, muitas leis foram aprovadas, como a de se
proibir o uso de máscaras nos protestos, ressaltando que houve propostas
positivas como a que proibia o uso de balas de borracha em protestos em São
Paulo, mas que foi vetada pelo governador paulista. “Quase nenhuma proposta
positiva está avançando”, disse.
Fonte: Agência Brasil