Crise dos imigrantes: a tragédia de quem não quer perder a
esperança
A imagem do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos, morto em
uma praia da Turquia chocou o mundo e fez com que a crise migratória na Europa
ganhasse mais repercussão internacional. Ele, o irmão de 5 anos, a mãe e outros
refugiados morreram afogados ao tentar alcançar a ilha grega de Kos e entrar na
Europa. O foco agora está nos líderes europeus e nos debates sobre as melhores
soluções para controlar o fluxo de refugiados.
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Refugiados na fronteira da Grécia com a MacedôniaValdrin
Xhemaj/Agência Lusa
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Mas a história da família Kurdi e de muitas outras que
morreram no Mar Mediterrâneo e em rotas terrestres, saindo do Oriente Médio e
da África, começa com as guerras, conflitos e privações nessas regiões.
Atualmente, a Síria é o principal país de origem de refugiados no mundo,
segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), com 3,88
milhões, só até o final de 2014. No mundo são quase 60 milhões de pessoas que
foram forçadas a deixar seus países, metade delas jovens e crianças.
A porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Dibeh
Fakhr, disse que o conflito na Síria já dura cinco anos e que a situação
humanitária no país permanece “catastrófica”. “Há enormes necessidades por todo
o país. A guerra continua e afeta mais fortemente civis”, afirmou, explicando
que mais de 7 milhões de pessoas estão sendo afetadas e mais de 4 milhões
deixaram o país.
“Hoje, as necessidades principais são comida, água,
medicamentos e atendimento básico de saúde. As moradias foram severamente
afetadas pelos conflitos, muitas foram destruídas. Infelizmente, a água está
sendo usada como arma de guerra na Síria por todas as partes envolvidas. A
infraestrutura de abastecimento é fraca e ficou ainda mais frágil com as
guerras, a água é cortada, às vezes por dias, deixando a população civil
prejudicada. Muitas famílias nos contam que precisam fugir diversas vezes de
uma área para outra tentando encontrar um lugar seguro”.
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Refugiados na Grécia furam bloqueio policial no Sul da
MacedôniaGeorgi Licosvski/Agência Lusa
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Dibeh disse ainda que o comitê faz um trabalho humanitário e
tenta chegar às áreas onde as necessidades são maiores. “Temos problemas com a
segurança e precisamos de muitas autorizações para nos mover de um lugar para
outro. Estamos nos esforçando ao máximo para ajudar, mas as necessidades são
grandes, e não importa o quanto façamos, elas continuam aumentando. A solução
precisa ser política”, disse a porta-voz.
O conflito na Síria, entre rebeldes e governo, também tem o
envolvimento direto do grupo extremista Estado Islâmico, que tentam derrubar o
presidente do país, Bashar Al Assad. A assessora de Direitos Humanos da Anistia
Internacional Brasil, Fátima Mello, disse que a população também é atacada e
usada por essas forças, estando exposta a ataques químicos, detenções,
torturas, desaparecimentos e prisões. “Os civis estão expostos a situações
gravíssimas de violações de direitos humanos”.
A origem e as soluções para os conflitos
Segundo o geógrafo e professor de relações internacionais da
Fundação Armando Alvares Penteado, Jorge Mortean, esse movimento entre a
migração de pessoas de regiões em conflito e os países desenvolvidos é
retroalimentante. “Os conflitos locais, no Oriente Médio, são causados pela
própria interferência e interesse das potências mundiais, principalmente pela
demanda energética, pela extração e compra de petróleo e gás natural. Os
ocidentais direta ou indiretamente estão fomentando esses conflitos e acabam
gerando esse fluxo de pessoas que perderam tudo e agora tentam de todas as
maneiras entrar na Europa”, disse.
O professor explicou que, estremecendo a política doméstica
o preço do petróleo tende a subir, influenciando o mercado mundial. Com os
governos locais enfraquecidos, segundo Mortean, a força econômica também
penetra melhor na indústria petrolífera local. “Fica um jogo dúbio. O governo
local ganha [com a venda] e as potências econômicas também não deixam de lucrar
[com o mercado aquecido]”.
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Imigração - Refugiados que atravessaram a Hungria e Áustria
se alojam em centro na AlemanhaEPA/Sven Hoppe/Agência Brasil/Direitos
Reservados
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O custo que esses países têm fomentado, as diversas facções
e governos envolvidos no conflito, com armas, dinheiro e treinamento, é baixo,
comparado aos lucros. Mas, segundo o professor, em determinadas situações essa
equação se inverte. “O problema é que isso chegou em uma curva e agora o
processo se inverte e não é mais tão vantajoso porque o custo social [de
acolher os refugiados] está maior que o custo econômico”, explicou.
“A diplomacia tem um lado que não dá pra ver, esse lado
obscuro é o que realmente acontece e que, muitas vezes, não pode ser resolvido.
Os grandes financiadores, armadores de conflitos no Oriente Médio, na África,
Ásia e até aqui na América Latina são os grandes que estão sentados nas cinco
cadeiras permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas”, disse.
Para Mortean, acolher os refugiados é uma medida paliativa,
mas só há uma solução para essa crise migratória: que os países estrangeiros
parem de financiar os conflitos e fornecer armas para os países de origem dos
refugiados.
Já Fátima Mello entende que é preciso também um esforço
multilateral para desenvolver economicamente esses países, além de “sinais mais
contundentes” de participação do Conselho de Segurança das Nações Unidas na
resolução dos conflitos.
Refugiados na Europa
A assessora da Anistia Internacional Brasil disse ainda que
o número de refugiados que chegam à Europa parece alto, mas são baixos se
comparados a países vizinhos à Síria, que já receberam quase 4 milhões de
refugiados sírios. Isso fez como que países como Líbano e a Jordânia fechassem
suas fronteiras aplicando um controle mais efetivo sobre quem entra.
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Imigração - Barreira de arame farpado no corredor dos
Balcãs, entre a Turquia e a Hungria, considerada a entrada para a União
EuropeiaEPA/Valdrin Xhemaj/Agência Lusa/Direitos Reservados
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Fátima Mello explica que a União Europeia é signatária de
todo tipo de acordos internacional humanitário, de concessão de asilo a
refugiados, e, para conseguir reduzir o número de pessoas que morrem nas suas
fronteiras, tem a obrigação de aumentar os vistos de assentamento. Entretanto,
segundo ela, os países de entrada na Europa tem fechado suas rotas e limitado o
acesso por terra, o que agrava a situação das travessias pelo Mar Mediterrâneo,
para a Espanha, Itália e Grécia principalmente
“O número de refugiados e imigrantes via marítima tem
aumentado muito. Os sírios totalizavam 46% das 176 mil pessoas que chegaram na
Itália pela ilha de Lampedusa. É o país que, de longe, recebe mais refugiados
por mar. Recomendamos que a Europa realize operações humanitárias envolvendo os
vários países, mas que sejam operações que forneçam à Itália suporte logístico
e financeiro”, disse.
Por terra, a Hungria é a porta de entrada para migrantes e
refugiados, pois o país é signatário do Acordo de Schengen, de países europeus
onde se pode transitar livremente sem passaporte. Para tentar barrar a entrada
dessas pessoas, o governo húngaro construiu uma cerca de arame farpado, vigiadapor policiais, ao longo da fronteira com a Sérvia.. E para aqueles que
conseguem entrar na Hungria, a saída para os países mais ricos da Europa
Ocidental está sendo limitada às estações de trem em Budapeste.
Segundo o professor Jorge Mortean, Acordo de Schengen já
passou por algumas mudanças, tornando-se mais rígido dependendo da
nacionalidade do cidadão, e, com esse fluxo de migrantes, é provável que haja
novas alterações.
Pio Penna, professor de relações internacionais da
Universidade de Brasília, disse que existe um impasse para manejar essa
liberdade nos países de entrada (Espanha, Itália, Hungria, Grécia), pois os
países para os quais os refugiados pretendem ir, como a França, Itália, o Reino
Unido, a Alemanha, Áustria, estão dificultando a entrada. Por isso, segundo
ele, a Alemanha está propondo um diálogo que traga uma solução.
Associada a essa dificuldade existe ainda, segundo Penna, o
problema do tráfico de pessoas. “A maior parte dos refugiados seguem rotas
abertas ou manejadas por pessoas ligadas ao tráfico humano, e essa gente não
tem princípios, e aí acontecem outros acidentes de percursos”, disse. No final
de agosto, 50 pessoas foram encontradas mortas em um caminhão frigorífico na
Áustria. O porto, na cidade de Calais, por onde passa o Eurotúnel, em direção
ao Reino Unido, também é rota de atravessadores.
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Especialistas forenses investigam caminhão encontrado em
rodovia, na Áustria, com pelo menos 50 refugiados mortosRoland
Schlager/APA/Agência Lusa
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Países de origem dos refugiados
Além da Síria, os especialistas citam o Iraque e a Líbia
como os países de origem de muitos refugiados. Segundo Mortean, a Líbia sempre
foi um canal de migração ilegal, mas com a derrubada do governo e morte de
Muammar Kaddafi, em 2011, o país passou a viver uma crise interna, dividido em
mais de 13 tribos que buscam o poder. “Com vários grupos sociais se armando, dá
brecha para o surgimento de forças terroristas externas, como o Estado
Islâmico”, disse.
O professor explica que o Iraque também sofre com as
investidas do Estado Islâmico. “O governo iraquiano ficou um pouco enfraquecido
com a saída das tropas americanas no ano passado. Além disso, é um governo
administrativamente fragmentado por causa dos curdos, que têm a autonomia no
Norte do país”, disse Mortean, explicando que muitos iraquianos têm se
refugiados no Kwait.
Já Fátima Mello relaciona também as longas crises econômicas
de países africanos e o extremismo religioso como fatores que levam as pessoas
a abandonar seus países. “Deste o período da colonização as pessoas são
expostas a violações e passam por situações de fome e de insegurança de todos
os tipos. Agora, soma-se a radicalização por parte do extremismo religioso,
como Boko Haram, e tudo isso expulsa as populações de suas casas e seus países
de origem.
Fonte: Agência BRasil