Especialistas acreditam que chacinas são praticadas por
grupos formados por PMs
Na madrugada do dia 19 de setembro, quatro jovens
entregadores de pizza foram mortos em frente ao estabelecimento comercial em
que trabalhavam, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Na quinta-feira (24), um
policial militar foi preso acusado pelas mortes.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o
policial Douglas Gomes, que está no Presídio Romão Gomes, teria se vingado de
um roubo em que esses jovens teriam agredido a sua esposa. Na casa de um dos
entregadores de pizza foi encontrada a bolsa da mulher do policial, que havia
sido roubada. Na residência do policial foi encontrada uma pistola e um
revólver calibre 38. Os jovens já eram investigados pela polícia por roubos na
região.
Essa foi a terceira vez, este ano, que um policial militar
foi preso por participação em chacinas. Antes da de Carapicuíba, um policial
foi preso por ter participado da ação que resultou em 19 mortes em Osasco e
Barueri. Um policial e um ex-PM foram presos e estão sendo julgados pela morte
de oito pessoas na sede de uma torcida organizada do Corinthians (Pavilhão 9).
Também houve suspeita de participação de policiais em chacinas ocorridas em
janeiro deste ano em Mogi das Cruzes (Grande São Paulo); em fevereiro, na Vila
Jacuí; em abril, no Jaçanã, e em julho, no Jardim São Luiz, todos na capital.
“Tem justiceiro e o Estado não quer assumir”, diz o parente
de uma das oito vítimas da chacina na Pavilhão 9 que pediu para não ser
identificado. “Se [os executores] não tivessem se apresentado como policiais,
eles [as vítimas] iriam para cima.
Não iam acatar a ordem de ajoelhar e colocar
a mão na cabeça. Se eu sei que vou morrer, vou para cima do cara”, disse,
fazendo questão de ressaltar que, apesar de policiais terem sido presos por
esse crime, não se pode generalizar, já que “tem muita gente boa na polícia”.
Especialista em segurança pública, Guaracy Mingardi diz não
ter dúvidas da existência de grupos de extermínio.
“Nos tempos áureos dos homicídios, anos atrás em São Paulo,
havia dois tipos de chacinas: as que eram praticadas por uma briga por ponto de
drogas e as que eram cometidas por grupos de extermínio", disse.
"O número de disputas por pontos de droga caiu
radicalmente por causa do PCC [Primeiro Comando da Capital, organização
criminosa que age nos presídios paulistas], que tomou conta de boa parte do
mercado.
As chacinas que sobram, normalmente, são praticadas por grupos de
extermínio que envolvem algum agente público, no caso, policial. Não que todas
sejam, mas a maior parte é.
Os casos que têm sido resolvidos nos últimos anos
indicam isso”, completou Mingardi, ex-subsecretário nacional de Segurança
Pública e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo o especialista, São Paulo “foi a terra da chacina”
na década de 90. “As chacinas caíram com relação àquele período. Tivemos anos
com pouquíssimas chacinas, mas elas estão voltando agora”, destacou.
Modo de operação
Doutora em sociologia e professora da Universidade Federal
do ABC, Camila Nunes Dias disse que as chacinas registradas no estado apresentam
algumas características que reduzem a possibilidade de que sejam praticadas por
criminosos “comuns”.
“Não apenas porque no caso de Osasco – e muitos outros
similares – já se reconhece oficialmente a participação de policiais militares,
mas o modus operandi é bastante típico também, de crimes cometidos por grupos
de extermínio que, comumente, contam com a participação de agentes públicos”,
disse Camila, autora do livro PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da
violência, resultado de cinco anos de pesquisa e de entrevista com integrantes
e ex-integrantes do PCC.
De acordo com ela, há um claro padrão nas chacinas ocorridas
recentemente no estado de São Paulo: “a chegada de várias pessoas em uma ou
mais motos ou em um ou mais carros, a utilização de capuz ou outras formas de
esconder o rosto, a rendição das vítimas em alguns casos, colocando-as de
costas para a parede, de joelhos ou atirando na cabeça, simplesmente”.
Ainda segundo ela, essa forma de agir é bastante comum a
policiais militares. “Há uma forma de empunhar a arma, de abordar, de se
aproximar que são bastante típicas, conforme foi apontado por especialistas da
própria PM”, enfatizou.
Ela também destaca que esse tipo de abordagem é diferente do
modo de operar do PCC.
“Quando é o PCC, há uma espécie de julgamento primeiro, o
chamado 'debate'. Quando isso ocorre, evidentemente, as vítimas não são pegas
de surpresa. Elas já estão sequestradas nas mãos dos criminosos. Nesses casos,
o 'julgamento' e a execução não ocorrem em locais públicos, e sim em locais de
difícil acesso - tanto para dificultar a localização pela polícia, como para
impedir que a violência seja testemunhada pelos moradores do bairro",
afirmou.
"O PCC busca uma certa legitimação de seu poder nos
bairros onde atua e, neste sentido, busca sempre - ou sempre que possível -
esconder ou camuflar o uso da violência física, essencialmente, o homicídio”,
disse a professora, destacando que as vítimas do grupo criminoso costumam ter
um perfil específico – delatores, acusados ou suspeitos de crimes sexuais ou
contra crianças, devedores e agentes de segurança são alguns exemplos.
Saiba Mais
Segundo Luiz Carlos dos Santos, conselheiro e relator da
comissão de violência policial do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (Condepe), o órgão analisa atualmente 21 casos de chacinas no
estado. E, nestes casos, não houve qualquer dado que apontasse a participação
do PCC como autor das chacinas.
Para ativistas e especialistas, há muitos indícios de
participação de policiais militares nesse tipo de crime.
“Outra questão do modo de operação padronizado são as
perguntas que são feitas às vítimas, tais como se elas têm passagem, se estão
envolvidos com algum crime ou se portam alguma coisa ilegal. Esse é um padrão
da Polícia Militar ostensiva. Há ainda a questão do armamento. Os tiros sempre
na região de alta letalidade, na cabeça ou região torácica, efetivamente para
matar”, disse Rildo Marques, presidente do Condepe.
A defensora pública Daniela Skromov de Albuquerque também
destaca pontos que levam à conclusão de participação de agentes do Estado nas
chacinas.
“Um indicativo é que, após um entrevero envolvendo um
policial, um roubo ou uma morte de um policial na área, existem várias mortes
ou homicídios múltiplos, como se fosse um recado, perdemos um, vocês perdem muito
mais. Em geral há um revide quantitativo, em maior número. A esmo, como uma
política de imposição de medo”, acrescentou a defensora.
Vingança
Muitas chacinas ocorridas em São Paulo desde o ano de 2006
apresentam um fator em comum: são registradas após a morte de um policial.
“Vale lembrar que, em 2006, em resposta aos ataques
promovidos pelo PCC aos agentes de segurança que vitimaram cerca de 80
policiais, houve uma reação da Polícia Militar paulista e o saldo de vítimas em
uma semana chegou a quase 500. De lá para cá, parece que se produziu uma
dinâmica bem típica: execuções sumárias, com múltiplas vítimas, ocorridas na
mesma região e pouco tempo depois do assassinato de um policial”, disse a
professora Camila Nunes.
As chacinas deste ano no Jardim São Luiz, no Jaçanã, e em
Osasco, exemplificou Rildo Marques, presidente do Condepe, foram todas
precedidas da morte de um policial. “Imaginávamos que estava explícita uma
ideia de revide por parte de seus colegas da corporação. Isso não é uma
certeza, mas é o que imaginamos como uma das causas”, disse.
“Há também uma certa ideia de controle de território feita
de maneira ilícita por meio de interesse de negócios. Não nos parece que esse
revide ou revanche seja gratuito. Parece que há a defesa de interesse de
negócios ocultos e isso merece uma investigação profunda por parte das
autoridades de São Paulo”, completou Marques.
Documento da Corregedoria da Polícia Militar sobre a
investigação das 19 mortes ocorridas em Osasco e Barueri, obtido pela Agência Brasil,
traz vários episódios que apontam para a participação de policiais militares
nos crimes. Uma das vítimas, Rafael Nunes de Oliveira, morto na Rua Moacir
Sales D'Avila, em Osasco, no dia 13 de agosto, teve seu veículo apreendido por
policiais militares um mês antes de ser assassinado. Ele portava um cigarro de
maconha. Em uma outra ocorrência, Rafael enfrentou uma situação de conflito com
policiais e foi agredido.
Pelos registros, uma das conclusões do documento é que se
trata de “um grupo organizado para a prática de crimes de homicídios com clara
intenção de vingança”.
Em entrevista à Agência Brasil esta semana, o ouvidor das
Polícias, Julio Cesar Fernandes Neves, preferiu não usar o termo grupo de
extermínio, mas admitiu a existência de grupos organizados com participação de
agentes públicos atuando em chacinas.
“Na nossa legislação não tem essa capitulação de grupo de
extermínio, mas está no Código Penal como quadrilha, com mais de três [pessoas]
que se organizam para cometer crimes, no caso, o crime de homicídio. Existem
grupos organizados para cometer crimes de homicídio. Tem gente que interpreta
como grupos de extermínio”, disse.
A existência de grupos de extermínio que tenham policiais
entre seus integrantes não é admitida pela Secretaria de Segurança Pública
(SSP).
“A SSP refuta a tese de grupo de extermínio nas corporações.
Essa declaração foi feita pelo ouvidor sem nenhum embasamento. Os casos
recentes da Grande SP não têm relação. Os crimes em Osasco e Barueri estão com
investigações avançadas pela força-tarefa, que tramitam em segredo de Justiça.
Tanto esse caso quanto o de Carapicuíba já tem prisão do autor, como
consequência das investigações”, disse a secretaria em nota.
Em entrevista recente a meios de comunicação, o governador
de São Paulo, Geraldo Alckmin, também refutou a existência de grupos de extermínio.
Segundo ele, o que existe são “maus policiais”.
Na última sexta-feira (25), o secretário de Segurança
Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, disse que os excessos cometidos por
policiais, quando comprovados, serão punidos pelo órgão. “Os desvios estão
sendo analisados, investigados e serão punidos disciplinarmente por parte da
Secretaria de Segurança e criminalmente por parte da Justiça.”
A Polícia Militar também foi procurada para comentar a
suspeita da existência de grupos de extermínio dentro da corporação, mas, até o
momento, não respondeu à solicitação feita pela reportagem.
Fonte: Agência Brasil
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