Mais de 60 mil pessoas morreram no maior manicômio do Brasil
Ao longo do século passado, a única solução para pessoas com
transtornos mentais era o isolamento em manicômios. O maior do Brasil foi o
Colônia, que começou a funcionar em 1903, em Barbacena, Minas Gerais. Lá, pelo
menos 60 mil pessoas perderam a vida numa trajetória de quase um século de
desrespeitos aos direitos humanos.
Hiram Firmino foi um dos poucos jornalistas a entrar no
hospício, no fim da década de 1970. Ele escreveu diversas matérias com
denúncias sobre os horrores que viu no Colônia. “Mulher é um símbolo de beleza.
Para mim, foi chocante ver as mulheres do hospício no chão, sujas, igual bicho,
quase todas nuas, no meio de fezes, urina, rato, dormindo em capim. Agora ver as
crianças no mesmo estado, com um pneu velho o dia inteiro, que era a única
coisa que tinham para brincar, foi ainda pior”, desabafa o jornalista.
A terapia por meio de choques era usada, muitas vezes, como
poderosa arma de punição contra os que não se comportavam. Sueli Rezende morreu
no regime de internação. A filha, Débora Soares, 30 anos, foi adotada. Ao
buscar informações sobre a mãe biológica, Débora ficou horrorizada com o que
viu nos prontuários. “Minha mãe chegou a receber quinze sessões de choque em um
mês, era dia sim, dia não, algo intolerável. Ela se rebelava e fazia de tudo
para não levar o choque: corria, ia pro banheiro, tentava derrubar o aparelho e
lutava com os funcionários”.
A jornalista Daniela Arbex fez uma vasta pesquisa sobre o Colônia.
Localizado em Barbacena (MG), o local ficou conhecido como o maior manicômio do
Brasil
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A jornalista Daniela Arbex fez uma vasta pesquisa sobre o
Colônia. Ela escreveu uma série de reportagens e um livro sobre o assunto.
Daniela descobriu que o esgoto corria a céu aberto no hospício e muitas vezes
servia de alimento. “Você via as pessoas definhando. Isso já é um indício muito
forte de que não havia alimentação. Os funcionários da época e os próprios
pacientes contaram que não havia alimento suficiente, que eles passavam fome,
que, muitas vezes, havia uma sopa rala”.
A maioria dos doentes não tinha direito a cama. Dormiam em
capins, agarrados uns aos outros para espantar o frio das serras geladas de
Barbacena. A superlotação do hospício era a justificativa para o descaso. Em
1960, em um lugar projetado inicialmente para 200 pacientes, havia 5 mil.
Muitos que passavam por tudo isso nem tinham transtorno mental.
“A gente encontrou histórias de pessoas que foram mandadas
pro hospital para esconder uma gravidez, porque tinham perdido seus documentos
ou porque o marido resolveu ficar com a amante”, constatou Daniela.
Encontros e Desencontros
Nos antigos manicômios, as mulheres que engravidavam não
podiam ficar com os filhos. As crianças eram adotadas ou iam para orfanatos. A
secretária Débora Soares nasceu dentro do hospício de Barbacena. Foi adotada
por uma funcionária do lugar. Já adulta, Débora descobriu que a mãe biológica
se chamava Sueli Rezende e que ela poderia estar internada no hospital psiquiátrico
da cidade. Ao chegar ao local, ficou sabendo que a mãe havia morrido há um ano.
Agora, Débora quer descobrir o paradeiro da irmã, a segunda
filha que Sueli teve no hospital. “Ela foi entregue para adoção. Eu só sei que
nasceu no dia 15 de junho de 1986, é dois anos mais nova e o nome que minha mãe
escolheu pra ela foi Luzia Rezende. Mas devem ter trocado o nome”.
Ao ler os prontuários da mãe biológica no hospital, Débora
teve a certeza de que foi muito amada por ela. “As únicas lembranças que minha
mãe tinha eram a cor de pele das filhas, uma morena e outra branquinha, e as
datas de nascimento. Quando eu fiz 8 anos, ela teve uma crise e ficou pedindo
para saber como era o rostinho da filha”, revela Débora.
O bombeiro João Bosco, 48 anos, e a mãe Geralda Siqueira, 66
anos, ex-interna do hospício de Barbacena, também foram vítimas da política de
afastamento entre mães e filhos nos manicômios. Geralda ainda foi vítima do
isolamento no manicômio sem nunca ter tido transtorno mental. Órfã desde criança,
ela foi morar aos 11 anos numa casa de família para ser empregada doméstica.
Foi estuprada várias vezes pelo patrão, até ficar grávida. Para se livrar do
problema, o patrão a levou para o hospício. “Eu levei o maior choque porque eu
nunca tinha visto aquilo. Era horrível ficar naquela prisão, no meio daquela
bagunça, sujeira, com uma porção de gente doente”, desabafa a ex-interna do
hospício.
Depois que o filho João Bosco nasceu, Geralda conseguiu alta
do hospício. Foi atrás de emprego e deixou o filho com religiosas que
trabalhavam no local. Um dia, quando voltou para visitá-lo, a criança não
estava mais lá. Geralda ficou desesperada e começou a cobrar explicações sobre
o paradeiro do menino.
“Como eu fiquei nervosa, os funcionários me pegaram pelo braço
e me levaram para a sala de tratamento com eletrochoque. Levei um choque enorme
e fui ameaçada de ficar internada para sempre no hospício caso voltasse lá
atrás do meu filho. Nunca mais tive notícia dele”.
João Bosco foi para um orfanato, depois para a Febem (local
onde se internavam jovens em conflito com a lei) e finalmente passou no
concurso do Corpo de Bombeiros. Os colegas da corporação é que tentaram
descobrir o paradeiro da mãe de João e conseguiram encontrá-la em 2011. De lá
pra cá, os dois não se desgrudam. “Por mais que os problemas da vida levem cada
um para um lado, existe um laço invisível, enlaçado por Deus, entre a mãe e o
filho. Isso ninguém rompe. Quando nos reencontramos, voltamos à nossa origem”,
disse João Bosco.
O programa “Loucura e liberdade: saúde mental em Barbacena”
foi transmitido pelo Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, e está disponível na
internet.
Fonte: Agência Brasil
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